A Sentença Arbitral, a Lei 11.232/2005 e a Coisa Julgada.
SUMÁRIO: I) Da sentença. II. Da coisa julgada formal. III. Da coisa julgada material. IV. Das sentenças que produzem coisa julgada. V. Das sentenças que não produzem coisa julgada. VI. Dos limites subjetivos da coisa julgada. VII. Do acordo, da transação e da homologação no juízo arbitral. VIII. Da sentença arbitral e a L.11232-2005. IX. Da sentença e da coisa julgada no juízo arbitral. X. Dos limites objetivos e subjetivos da sentença arbitral. XI. Da nulidade da sentença arbitral. XII. Da nulidade da sentença arbitral. XIII. Conclusão. I. Da sentença Conforme o nosso ordenamento jurídico-processual, a sentença (definitiva ou terminativa) é um dos atos decisórios do juiz. (art.162, Código de Processo Civil-CPC). Na dicção do parágrafo 1º desse artigo, é ela o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.267 e 269 desta Lei (redação dada pela L.11232/05). Quando a profere, o juiz cumpre obrigação do Estado e entrega a prestação jurisdicional. Outros atos decisórios são a decisão interlocutória (art.162, § 2º, CPC), os despachos, inclusive os de mero expediente (§ 3º) e os atos meramente ordinatórios (§ 4º). A sentença é um ato lógico, um ato de inteligência (Ugo Rocco, João Monteiro), mas também um ato de vontade do Estado (Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Enrico Tullio Liebman, Gian Antonio Michelli, Piero Calamandrei e outros). Na lição de Moacyr Amaral Santos, a sentença é ato decisório por excelência, pois nela há a afirmação concreta da vontade contida na lei, declarada pelo juiz (órgão do Estado). Aplicando a lei ao caso concreto, o juiz emite uma ordem, ou, no dizer de Carnelutti, um comando que qualifica a sentença como ato de vontade em face do que exprime a lei.[1] II. Da coisa julgada formal A sentença torna-se irretratável com a sua publicação. Enquanto pendente de impugnação por recurso, qualifica-se como uma situação (posição) jurídica à espera de traduzir eficácia. Até então, nenhum efeito produziu, as finalidades do processo não foram atingidas, a prestação jurisdicional do Estado, a que está obrigado, não foi ultimada etc. Não sendo interposto recurso cabível, por qualquer motivo, a sentença transita em julgado, torna-se imutável. Dá-se, pois, o que se denomina coisa julgada formal ou preclusão máxima no processo, esgotando-se a função jurisdicional do Estado. III. Da coisa julgada material Em conseqüência da coisa julgada formal, pela qual a sentença não mais pode ser reexaminada ou modificada, no mesmo processo, os seus efeitos (declaratórios ou condenatórios ou constitutivos) tornam-se imutáveis. Dá-se, por isso, a denominada coisa julgada material ou substancial, pela qual a imperatividade da sentença adquire força de lei entre as partes. Decidida a “res in judicium deducta”, resulta composta a lide definitivamente. Liebman fala em degraus de um mesmo fenômeno. No primeiro, está a coisa julgada formal, dando-se quando preclusos os prazos recursais e a sentença se torna imutável; no segundo, está a coisa julgada material, conseqüência que torna imutáveis os efeitos da sentença proferida, publicada e transitada em julgado. Da coisa julgada material ou substancial resulta a qualidade da autoridade que desborda do processo, vai além dele. É quando a vontade da lei contida no comando emergente da sentença, tornado imutável, adquire autoridade de coisa julgada, impedindo que o direito material decidido, entre as mesmas partes, o seja novamente no mesmo ou em outro processo, pelo mesmo ou outro juiz (Amaral Santos). Daí dizer-se que a coisa julgada material ou autoridade de coisa julgada, tem força de lei (art.468 do CPC). Ademais, o art.467 do CPC, ao dispor que “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”, adotou a doutrina de Liebman, para quem a coisa julgada não é um efeito, mas eficácia da sentença, que, portanto, tem aptidão para produzir efeitos quando não mais sujeita a recurso (ordinário ou extraordinário). IV. Das sentenças que produzem coisa julgada Só as sentenças definitivas ou de mérito, em que a lide é resolvida, composta, decidida, produzem coisa julgada ou têm autoridade de coisa julgada. É o que reza o art.474 do CPC: “Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”. A coisa julgada se contém na parte dispositiva da sentença, conforme o inciso III do art.458 do CPC, dizendo que nela o juiz resolve as questões que as partes lhe submeterem. Aí estão gizados os limites objetivos da coisa julgada. Vale dizer, a lide há de ser decidida nos limites em que foi proposta (art. 128, CPC), sendo defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em outro objeto (pedido formulado na ação) do que lhe foi demandado (art.460, CPC). De concluir, repetindo-se, malgrado a matéria controvertida defluente do art.468 do CPC, que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença. V. Das sentenças que não produzem coisa julgada Não produzem coisa julgada: (a) as sentenças terminativas, que apenas transitam em julgado, decidindo quanto ao processo e não quanto ao mérito (arts.267, 268, 329, CPC), ocorrendo a denominada preclusão “pro judicato”; (b) sentenças proferidas em jurisdição voluntária, porque não há lide a ser decidida; (c) sentenças proferidas em processos cautelares (art.807, III, CPC); (d) decisões interlocutórias (art.162, § 2º, 265, 267, CPC); (e) despachos (art.162, § 3º), lembrando que dos de mero expediente sequer cabe recurso (art.504, CPC[2]); f) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da sentença (art.46, I, CPC); g) a questão prejudicial decidida incidentalmente no processo (art.469, III, CPC), fazendo, porém, coisa julgada, se a parte requerer ao juiz competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide (art.470, CPC – ação declaratória incidental); (h) a verdade dos fatos, subsumida da apreciação da prova, estabelecida como fundamento da sentença. VI. Dos limites subjetivos da coisa julgada No que toca aos limites subjetivos da coisa julgada, em regra, somente as partes são alcançadas pela autoridade da coisa julgada. Terceiros não participantes da relação jurídico-processual estão a salvo dos efeitos da coisa julgada. Contra a teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada, abraçada por Wach, Chiovenda, Betti, Segni, Redenti e Carnelutti, opôs-se Liebman, que distinguiu três categorias de terceiros: a primeira, dos terceiros indiferentes (que não sofrem nenhum prejuízo por motivo da sentença); a segunda, dos terceiros interessados praticamente, considerados aqueles aos quais a sentença causa prejuízo prático ou econômico; a terceira, dos terceiros juridicamente interessados, subdivididos em (a) terceiros que têm interesse igual aos das partes (que podem opor-se à sentença, visto que esta lhes afeta o direito ou porque tenham interesse jurídico em conflito com a sentença) e (b) terceiros cujo interesse jurídico é inferior ao das partes (terceiros titulares de relações jurídicas dependentes da relação jurídica julgada no processo, o que lhes faculta insurgir-se contra ela). O CPC, art.472, entretanto, dispõe: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”, ou seja, a coisa julgada refere-se às partes e somente em relação a elas, atingindo, entretanto, seus espólios, herdeiros e sucessores, e ainda o adquirente ou cessionário delas (CPC, arts.42, § 3º, 567, I e II, 568, III). VII. O acordo, a transação e a homologação no juízo arbitral Dispõe o art.28 da L.9307/96 que, se no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o árbitro ou tribunal arbitral poderá, a pedido delas, declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art.26 (relatório, motivação, dispositivo, data e lugar de proferimento). Assim, redigido o acordo pelas partes, que o assinam com seus advogados ou com duas testemunhas, estará formalizado um título executivo extrajudicial. Submetido o ato ao árbitro ou tribunal arbitral, este o declarará, por sentença (arbitral), que conterá, sucintamente, os requisitos legais. Nesse caso, o título torna-se executivo judicial (art.475-N, IV, do CPC, com a redação dada pela L.11232/05). O árbitro ou tribunal arbitral, ao declarar por sentença arbitral o acordo que as partes, em conjunto, lhe submetem, em última análise exara ato que corresponde à “homologação” (do latim “homologare”, ratificação, confirmação, aprovação). Porém, ressalte-se que nem as partes, nem o árbitro podem desbordar dos limites da convenção de arbitragem. Caso as partes os tenham extrapolado, o árbitro ou tribunal arbitral nada declarará por sentença arbitral e extinguirá o feito arbitral sem resolver o mérito. Na hipótese de o árbitro, ao declarar por sentença o acordo, extrapolar os limites estritos da convenção, pode azar a nulidade do ato (art. 32, IV, L.9307/96). Inenquadrável, portanto e sempre, a previsão legal do inciso III, “in fine”, do art.475-N do CPC, na hipótese de acordo em arbitragem. Por outro lado, caso as partes não requererem a declaração ou “homologação” do acordo, e o árbitro ou tribunal arbitral constate tal fato, deve extinguir o feito arbitral sem resolução do mérito, até porque o próprio acordo indica, suficientemente, o desinteresse quanto ao prosseguimento processual arbitral. Pode-se admitir, ainda que não em curso a arbitragem, que as partes, tendo celebrado regular acordo/transação extrajudicial, firmem, pex., compromisso arbitral (uma das espécies da convenção de arbitragem), e peçam ao árbitro ou tribunal arbitral declará-lo mediante sentença arbitral, visando dar-lhe força de título executivo judicial (art.475-N, IV do CPC). Aqui também, sem dúvida, as partes e o árbitro devem observar os estritos limites do compromisso arbitral. VIII. Sentença arbitral e a L.11.232-2005 Face à L.11232/05, algumas observações devem ser feitas acerca da sentença arbitral, título executivo judicial (art.475-N, IV, CCivil). O art.584, do CPC, originalmente, e a seu tempo referindo-se ao art.1097 do mesmo Estatuto, alinhava entre os títulos executivos judiciais, no inciso III: a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação. A L.8953, de 13.12.94, alterou o inciso III, dizendo que entre os títulos executivos judiciais se incluía, “in verbis”: a sentença homologatória de laudo arbitral, de conciliação ou de transação, ainda que esta não verse questão posta em juízo”. A parte final do inciso não constituiu novidade, porque doutrina e jurisprudência não dissentiam na aceitação do desbordamento dos limites do pedido para homologação de acordo. Em 23.09.96 surgiu a L.9307 (Lei de Arbitragem), que alterou o inciso III do art.584 do CPC, suprimindo a parte final acerca de poder a conciliação ou a transação versar sobre questão não posta e juízo, assentando que “a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação” constituía título executivo judicial. Finalmente, a L.10358/01 não só alterou o art.584 no inciso III, mas também acrescentou o inciso VI, casteando como títulos executivos judiciais: III- a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo; e VI- a sentença arbitral. Embora tardiamente, o CPC adequou-se à L.9037/96, que revogara o art.1097 do CPC e escoimara a sentença homologatória de laudo arbitral (arts.18, 31 e 44, L.9307/96). Assim, hoje, “ex vi” da L.11232/05, a matéria é regulada no art.475-N do CPC (que substituiu o expressamente revogado art.584), que reza: São títulos executivos judiciais: III- a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo; e IV- a sentença arbitral. Em realidade, desde a aprovação do anteprojeto da L.9307/96, pelo Senado Federal, em 1993, pretendeu-se substituir a locução “sentença homologatória de laudo arbitral” por “sentença arbitral”, posto injustificável exigir-se a homologação do laudo arbitral, de que falava o art.1097 do CPC. A homologação se prestaria tão só à conciliação e à transação. Sucede que, antes da publicação da L.9307/96, veio à luz a L.8953/94, falando em “sentença homologatória de laudo arbitral”, soante com o ainda não revogado o art.1097, incluindo a matéria não posta em juízo para os casos de conciliação e transação. C.A.Carmona[3] explica: “A falta de sintonia e coordenação, no Congresso Nacional, dos dois projetos que resultaram, respectivamente, nas Leis 8953/94 e 9307/96 acabou por gerar situação indesejada: a Lei de Arbitragem foi aprovada sem que fosse adaptada a redação do art.584, III, do Código de Processo Civil, que foi mais uma vez alterada com a adoção do padrão anterior a 1994, ou seja, sem a menção de que a sentença poderia homologar transação que não versasse questão posta em juízo”. Note-se, entretanto, que o equívoco do legislador, prevalecente no hiato entre 1996 e 2001, não empeceu ou impediu que as partes se compusessem acerca de questões não postas em juízo. Tal como se vê assentado e alinhado no art.475-N do CPC, são títulos executivos judiciais: inciso III (a) sentença homologatória de conciliação; e (b) sentença homologatória de transação, ainda que (ambas) incluam matéria não posta em juízo; e inciso IV: a sentença arbitral (arts. 23 e ss., L.9307/96): (a) definitiva e (b) declaratória ou “homologatória” de acordo em processo arbitral, observados os limites da convenção de arbitragem. Na hipótese de execução judicial destas últimas, no mandado inicial constará a ordem de citação do devedor para liquidação ou execução (§ único do art.475-N, CPC). IX. Da sentença arbitral e seus efeitos A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores (singulares ou universais), os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo (art.31, L.9307/96). Em outras palavras: equivale à sentença judicial. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: (a) o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio, (b) os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade, (c) o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhe forem submetidas (pleitos limitados na convenção arbitral) e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e (d) a data e o lugar em que foi proferida (art.26, L.9307/96). A sentença arbitral ainda decidirá acerca da responsabilidade das partes, das custas e despesas ligadas à instituição de arbitragem administradora do processo arbitral, honorários dos árbitros e peritos, litigância de má fé, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem (art.27, L.9307/96). A sentença arbitral poderá ser homologatória de acordo/transação quanto ao litígio, podendo o árbitro ou árbitros, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença, que conterá os requisitos do art.26. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem (art.29, L.9307/96), não ficando sujeita a recurso e à homologação judicial (art.18, L.9307/96). Nada obstante, as partes podem estabelecer, na convenção de arbitragem, no caso de decisão não unânime, a interposição de, “v.g.”, “recurso específico” (interno), para o mesmo ou outro tribunal arbitral, que a reformará ou manterá. A revisão de sentença arbitral também está prevista, pex., no Regulamento de Arbitragem do Centro Internacional de Solução de Controvérsias sobre Investimentos (ICSID-International Centre for Settlement of Investment Disputes), instituído na Convenção Internacional sobre Solução de Disputas referentes a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados (Washington-1965), não sendo o Brasil dela parte, não a tendo assinado e ratificado. O art.30 da L.9307/96 prevê a interposição de “embargos declaratórios” (“embargos arbitrais”, na dicção de Selma Maria Ferreira Lemes, J.E. Carreira Alvim e outros), para correção de qualquer erro material da sentença arbitral, esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou contradição, ou pronunciamento acerca de ponto omitido na decisão. X. Da sentença e da coisa julgada no juízo arbitral Questiona-se se a sentença arbitral faz coisa julgada, formal e material. Ora bem. Intimadas regularmente as partes da sentença arbitral (art.29, L.9307/96), dá-se a entrega da prestação jurisdicional (arbitral) às completas, não havendo falar-se em “coisa julgada formal arbitral” (“preclusão máxima” ou quejando, posto inexistir recurso), salvo no caso excepcionalíssimo da Convenção suso mencionada, ou se as partes estabeleceram, em convenção arbitral, a interposição de recurso (interno), o que é raríssimo. No juízo arbitral dá-se direta e imediatamente a coisa julgada, que é a eficácia ou aptidão que a torna imutável e indiscutível, quer no mesmo processo, quer em outro processo arbitral ou judicial. Caso apresentados “embargos declaratórios”, ainda que com efeitos modificativos -- neste caso ouvida a outra parte --, resta apenas diferido o momento em que se instalará a coisa julgada arbitral, ou seja, ela se dará quando forem julgados os referidos embargos. Reveste-se a sentença arbitral, portanto, da autoridade da coisa julgada, impedindo sua revisão acerca do direito material, entre as mesmas partes, no mesmo processo arbitral ou judicial. A sentença arbitral terminativa (pex.: o árbitro decreta a invalidade da cláusula compromissória ou reconhece a não arbitrabilidade da determinada controvérsia) não produz coisa julgada, posto decide apenas quanto ao processo e não quanto ao mérito; o mesmo se diga relativamente às sentenças proferidas em processos arbitrais cautelares, não obstante controverta-se acerca da possibilidade de o árbitro atuar ou não em medidas cautelares. Em outras palavras, no juízo arbitral a sentença já se apresenta provida de eficácia, “id est”, com aptidão para produzir, imediatamente, todos os seus efeitos. A sua imutabilidade e imperatividade são diretas, imediatas, só não podendo o árbitro executá-la, por faltar-lhe o poder de coerção atribuído ao juiz estatal. XI. Dos limites objetivos e subjetivos da sentença arbitral Os limites objetivos da sentença arbitral não se diferenciam daqueles da sentença judicial. No mais, o art.25 (L.9307/96) cuida da hipótese do surgimento da “questão prejudicial” (que influencia a sentença arbitral, devendo, antes, ser apreciada). Diz ele que, surgindo no curso da arbitragem controvérsia (questão) acerca de direitos indisponíveis (que inadmitem transação ou ainda que extravase o conteúdo do compromisso), e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá (pode prejudicar) o julgamento da causa (o pedido), o árbitro ou tribunal arbitral deverá suspender o procedimento arbitral e remeter as partes ao juiz togado competente. Em verdade, a lei refere-se à questão prejudicial a decidir fora do juízo arbitral e não àquela questão prejudicial interna, no juízo arbitral, do conhecimento do árbitro ou tribunal arbitral. (pex.; questão prejudicial relativa a direito patrimonial disponível). Os limites subjetivos da coisa julgada arbitral são perfilados no art.31 da L.9307/96: as partes e seus sucessores (singulares ou universais) são obrigados a respeitar a sentença que, relativamente a eles, passa em julgado, o que inocorre com terceiros. XII. Da nulidade da sentença arbitral A sentença arbitral sujeita-se, nos casos taxativos do art.32 da L.9307/96, à ação de nulidade (art.33, L.9307/96), que é ação autônoma de impugnação e não desnatura a sentença arbitral como título executivo. O interessado terá o prazo decadencial de noventa dias para intentá-la (§ 1º, art.33, L.9307/96). A nulidade da sentença será decretada nos casos (a) de nulidade do compromisso arbitral; (b) de proferimento por quem não podia ser árbitro; (c) de proferimento por prevaricação, concussão ou corrupção passiva comprovada; (d) de proferimento inatempado; (e) de desrespeito aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. Nesses casos, procedente a ação de anulação, ou seja, anulada a sentença arbitral, fecham-se, obviamente, as portas do juízo arbitral e abrem-se (tão só) as do juízo estatal. Tal arte não ocorre, entretanto, nos casos (a) de ausência de requisitos da sentença, (b) de proferimento fora dos limites da convenção de arbitragem e (c) de decisão aquém do litígio submetido à arbitragem, quando a sentença judicial apenas condenará o árbitro ou tribunal arbitral a proferir nova sentença arbitral (art.33, § 2º, II, L.9307/96). A sentença arbitral sujeita-se também à anulação através dos embargos do devedor (art.33, parágrafo 3º, L.9307/96), caso levada ao juízo estatal para ser executada. XIII. Conclusão Noutro escrito alertei que o cumprimento espontâneo das decisões arbitrais se reveste de obrigação moral, que não tolera a postergação, conduta esta que esculpe imagem negativa do recalcitrante entre seus pares, gera sanções corporativistas e canalizam alto custo para execução judicial. Destarte, de concluir pela discordância daqueles que não enxergam a coisa julgada da sentença arbitral. Da mesma forma, de discordar-se do pensamento exarado nesta ementa: “Cumpridas todas as exigências legais, e desde que respeitadas as garantias mínimas previstas no ordenamento jurídico trabalhista, é possível a solução dos conflitos individuais trabalhistas pela utilização da arbitragem, ainda mais quando assistido o reclamante pelo sindicato, ou quando houver norma coletiva dispondo a respeito. Todavia, até que a matéria seja amadurecida no âmbito das relações laborais, entendo, por enquanto, que a sentença arbitral não pode fazer coisa julgada no processo do trabalho, devido, principalmente, ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos laborais, dependendo cada caso dos seus contornos fáticos e jurídicos, cabendo ao magistrado dar-lhe o valor que entender devido, como equivalente jurisdicional de solução dos conflitos” (TRT-3ª Região, RO 14832/01, DJMG de 08.03.02, in Revista “Resultado”, n.8, 2004, p.26). “Data venia”, este julgado traduz claras contradições e insegurança aos jurisdicionados. Basta abstrair dele que, de um lado, sustenta submeter direitos individuais trabalhistas à arbitragem – embora exagere nas exigências formais, igualando hipossuficiência à incapacidade relativa civil --, e, de outro, condiciona a coisa julgada arbitral ao “amadurecimento” da arbitragem! Ora bem. O conflito individual trabalhista é ou não é arbitrável, donde inadmissível condicionar a eficácia da sentença arbitral ao “amadurecimento” da lei de arbitragem. Ademais, a despeito da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, é cediço que os efeitos pecuniários que destes defluem são transacionáveis, quer perante o juiz estatal, quer perante o árbitro, donde implica sejam objeto de arbitragem e de acarretamento da coisa julgada arbitral (eficácia que torna a sentença arbitral imperativa e imutável). Malgrado a mim desconhecidos outros elementos do julgado em causa, ouso dizer, ainda que “à vol d’oiseaux”, que nele se percebem contornos de pouco conhecimento acerca da arbitragem e da L.9307/96. É tempo de os operadores do direito empregarem habitualmente a arbitragem no Brasil, tirando-a da “excepcionalidade” onde ainda poucos insistem em mantê-la, utilizando meios eficientes na solução de litígios, sem circunlóquios. Notas: [1] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol.III, 6ª Edição, São Paulo:Saraiva, 1983, ps.3 e ss. [2] Art.504. Dos despachos não cabe recurso (com redação dada pela L.11276/06) [3] CARMONA. Carlos Alberto. Arbitragem e Processo Um comentário à Lei 9307/96, São Paulo : Malheiros Editores, 1998, p.318. Sobre o texto: Texto inserido na Academia Brasileira de Direito em 1 de agosto de 2006.
Bibliografia:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONÇALVES NETO, Francisco. A sentença arbitral, a Lei 11.232/2005 e a coisa julgada. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Procedimento Arbitral > Acesso em :17 de março de 2015
Autor:
Francisco Gonçalves Neto
f.netogoncalves@ig.com.br
fra.go.ne@itelefonica.com.br Bacharel pela Faculdade Católica de Direito de Santos Especialista em Direito dos Contratos (Centro de Estudos Universitários - São Paulo, SP) Especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho (Universidade Metodista de Piracicaba-SP - UNIMEP) Ex-professor de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Seguridade Social (Fundação Instituto de Ensino para Osasco - FIEO, hoje UNIFIEO). Autor de diversos artigos jurídicos, publicados em revistas, jornais e CDs. Atualmente é advogado, consultor jurídico e palestrante.
Academia brasileira de direito, 1/8/2006